Economistas têm revisado projeções projetando real mais valorizado, mas ainda assim veem maior pressão para a moeda, com eleição no radar
Na última terça-feira (15), o dólar renovou mínima em cinco meses, abaixo do patamar psicológico dos R$ 5,20 (a R$ 5,18). Em fevereiro, o dólar já cai 2,4%, levando as perdas no ano para cerca de 7%, fazendo do real a moeda com melhor desempenho entre as principais desde o começo de 2022.
O noticiário geopolítico ajudou na véspera, com as notícias de que a Rússia está retornando grupos de soldados a suas bases. Contudo, mesmo em dias mais turbulentos no exterior, a divisa brasileira seguiu em trajetória de alta.
O mês passado já tinha sido marcado por forte queda do dólar, de 4,8%, com os investidores deixando posições em mercados ricos e apostando em ativos de praças vistas como descontadas –com o Brasil despontando entre as preferências após a forte queda da divisa nacional em 2021. Isso mesmo com os sinais de alta de juros nos EUA.
Houve um alto volume de investimentos estrangeiro na Bolsa brasileira também com os investidores indo atrás de ações de commodities, que correspondem a um bom percentual dos ativos brasileiros. O patamar elevado da taxa Selic também levou à queda da divisa americana, já que um maior diferencial de juros entre o Brasil e grandes economias torna o real mais atraente para investidores que buscam retornos elevados. Os custos dos empréstimos domésticos estão em 10,75% ao ano atualmente, enquanto, nos EUA, a taxa está próxima de zero.
Luciano Sobral, economista da Neo, aponta que houve um movimento de correção, uma vez que o dólar já parecia bastante sobrevalorizado com relação ao real desde meados de 2020.
O movimento do ano passado agravou essa sobrevalorização, de forma que o real terminou o ano, na comparação do câmbio real (ajustado pelo diferencial de inflação entre Brasil e EUA), no patamar mais desvalorizado desde 2003.
“A queda atual sem dúvida ajusta algo dessa distorção, mas parece mais motivada por fatores técnicos (parte do movimento de dezembro do ano passado, por exemplo, foi causado por compras sazonais por bancos e empresas brasileiras) e pela volta de um diferencial de juros atrativo do que por uma reavaliação dos fundamentos”, avalia.
A apreciação recente do real, aliás, já coloca a moeda brasileira em patamares que podem chamar compras de dólar, ainda mais levando em conta os desafios que o país deve enfrentar, principalmente no segundo semestre.
O que fez o dólar cair?
De acordo com análise da equipe de estratégia do Morgan Stanley do dia 7 de fevereiro, a queda do dólar em relação ao real para o patamar abaixo de R$ 5,30 se materializou mais rápido do que os estrategistas esperavam, apoiada por uma combinação de fraqueza do dólar, taxas reais atrativas com alta da Selic e manchetes sobre possíveis riscos fiscais ficando no momento um pouco para trás (uma vez que o Congresso estava em recesso até o começo do mês).
Neste cenário, os estrategistas apontaram que uma abordagem mais conservadora sobre o real é necessária, com fatores desafiadores devem mais uma vez ganhar destaque no mercado de câmbio, limitando maiores ganhos da moeda nacional.
“Com o Congresso voltando do recesso, nossos economistas observam que as discussões sobre novas medidas de flexibilização fiscal devem se intensificar, aumentando a preocupação existente sobre a potencial trajetória fiscal do Brasil após as eleições de outubro. Por sua vez, isso deve criar novas pressões negativas para a moeda, em antecipação à volatilidade eleitoral também aumentando mais acentuadamente no segundo trimestre”, apontam.
No entanto, o dólar “mais neutro “por enquanto (com alguns riscos potenciais de queda) pode pesar no ritmo de ganhos de curto prazo em posições compradas em dólar ante o real. Assim, ao invés de terem recomendação vendida em real e compra em dólar, passaram a recomendar posições compradas no no euro ante o real”, apontam.
“Mais amplamente, o case do Brasil continua bastante desafiador, pois é o único país dentro do nosso universo de cobertura em que os nossos economistas (e consenso) esperam uma recessão este ano. A volatilidade ainda deve aumentar acentuadamente à medida que nos aproximamos de uma eleição extremamente polarizada (em que os dois principais candidatos nas pesquisas, Lula e Jair Bolsonaro, têm taxas de rejeição entre 40% e 60%). É claro que reconhecemos a forte melhora no perfil de taxa de retorno (carry) do real, e achamos que uma taxa real alta poderia compensar alguns dos riscos negativos, mas não achamos que a moeda possa colher plenamente os benefícios do carry alto e continuar a ter um desempenho superior nessas circunstâncias”, avaliam os estrategistas.
O Rabobank reduziu recentemente sua projeção para o nível do dólar ao fim deste ano a R$ 5,56, contra estimativa anterior de R$ 5,65, mas ainda projetando uma alta de 7,3% da moeda em relação ao fechamento passado.
O banco afirmou que a percepção de que o Banco Central do Brasil está à frente da curva em relação a outros BCs na normalização da política monetária tem atraído fluxos de capital para o país, o que levou a uma redução nas projeções para a moeda, mas ainda projetando alta até o fim do ano.
Patrícia Krause, economista chefe para América Latina da Coface, reforça a avaliação de que a alta do real é uma correção porque a moeda se depreciou bastante desde o começo da crise e com o receio com a questão fiscal. Neste sentido, a entrada de fluxo estrangeiro é importante, com a Bolsa sendo considerada barata e commodities favorecendo empresas, além do diferencial de juros importante, assim como a falta de ruídos políticos no momento. Assim, aponta a reversão de algum desses fatores poderia levar a alguma depreciação do câmbio adiante.
“Sobre a eleição, embora os dois candidatos na liderança sejam conhecidos, há outras possibilidades ainda no radar. E ainda não há programas de governo, o que pode trazer volatilidade à frente, além do risco fiscal sensível caso venham propostas que possam aumentar gastos públicos sem contrapartida de receita”, destaca Patrícia.
Fernanda Consorte, economista chefe do Banco Ourinvest, não tem uma visão de que a moeda brasileira seguirá em trajetória de apreciação.
“O fluxo de investimento estrangeiro na Bolsa não é pra sempre. Os exportadores continuam mantendo recursos lá fora em vez de internalizá-los; o saldo da balança comercial tem sido positivo, mas o fluxo financeiro não tem acompanhado no mesmo montante. O ambiente no Brasil ainda é muito incerto e isso deve provocar em algum momento alta de taxa de cambio, sobretudo durante as eleições. Essa não é uma queda consistente a da taxa de câmbio”, avalia.
No início de fevereiro, a XP fez um estudo para entender o comportamento do câmbio para entender se há espaço para maiores altas do real. Com base nessa análise, utilizando variáveis domésticas e externas, os economistas sugeriram que o câmbio deveria ter chegado ao final de 2021 com o dólar entre R$ 4,20 e R$ 4,75.
A pandemia explicaria em parte o desalinhamento da moeda no período, mas a XP avalia que a posição fiscal do país é frágil e as perspectivas são turvas, com uma crescente demanda por gastos com programas sociais e de infraestrutura que o próximo governo deve enfrentar. Assim, por enquanto, a XP vê continuidade no desalinhamento da moeda brasileira, pelo menos até que as diretrizes do próximo governo sejam esclarecidas. Na ocasião, projetaram o dólar a R$ 5,70 no fim deste e R$ 5,30 em 2023.
Ainda assim, pesquisa do BofA mostrou que gestores de fundos na América Latina melhoraram em fevereiro as visões acerca da moeda brasileira. A maioria (60%) dos respondentes da sondagem deste mês agora vê o dólar entre R$ 5,11 e R$ 5,40 ao fim do ano. Em janeiro, cerca de 55% dos entrevistados previam que a divisa ficaria R$ 5,41 e R$ 5,70.
Contudo, a aposta é de que, apesar do alívio temporário, a moeda brasileira deva ser pressionada em 2022, principalmente no segundo semestre com eleições, além de acompanhar o cenário de alta de juros nos principais mercados mundiais.
Fonte: InfoMoney.
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