Além de ativos descontados, o real desvalorizado deixa a Bolsa uma “pechincha” para investidores de fora
Em baixa de cerca de 12% no acumulado de 2021, o Ibovespa caminha para fechar seu pior ano desde 2015, quando caiu 13,3%. Mas 2021 também será marcado pelo maior fluxo de entrada de estrangeiros da Bolsa brasileira já visto até então.
Enquanto investidores locais vão para a renda fixa atraídos por juros mais altos, os de fora, que respondem por mais de 50% dos negócios da Bolsa, têm comprado mais ativos de risco. Mas o que explica essa resistência do “gringo” aos mesmos problemas que têm afugentado o brasileiro da Bolsa?
Do início do ano até o último dia 15 de dezembro, as compras dos estrangeiros na B3 superaram as vendas em R$ 94,6 bilhões. O número inclui operações no mercado secundário, participação desses investidores em ofertas públicas de ações (IPO, na sigla em inglês) e em ofertas subsequentes (follow on), excetuando o último mês do ano, com os dados ainda não sendo divulgados. O fluxo ficou negativo apenas em três meses do ano.
O saldo positivo de participação estrangeira na Bolsa é 17 vezes maior que o de 2020, quando o fluxo ficou positivo em R$ 5,459 bilhões, de acordo com dados da B3.
O saldo positivo de participação estrangeira na Bolsa é 17 vezes maior que o de 2020, quando o fluxo ficou positivo em R$ 5,459 bilhões, de acordo com dados da B3.
Fundos de renda fixa levam recursos dos fundos de ações
O aumento das compras de estrangeiros na Bolsa coincide com uma migração de investidores locais para a renda fixa. Os fundos de investimento desse tipo foram o principal instrumento de captação em novembro, chamando um montante de R$ 26,8 bilhões, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Nos 11 primeiros meses do ano, a captação líquida desses fundos chegou a R$ 275,2 bilhões.
Para os fundos de ações, por sua vez, novembro foi o terceiro mês consecutivo de captação negativa: os resgates superaram as compras em R$ 6,1 bilhões. O saldo líquido está negativo em R$ 426,4 milhões. Os fundos multimercados tiveram resgates líquidos de R$ 4,8 bilhões em novembro, porém conseguiram manter um saldo de captação positivo no acumulado do ano, de R$ 67,4 bilhões.
“Os investidores institucionais têm sido os grandes vendedores da Bolsa brasileira. Agora que os juros estão voltando a subir, o cliente que comprou a Bolsa a 120 mil [pontos] vê o índice despencar, e aplica em renda fixa de novo”, explica Juan Espinhel, especialista em investimentos da Ivest Consultoria.
Real desvalorizado estimula compra do estrangeiro
Mas ainda que os juros mais altos sejam um atrativo para todo tipo de bolso, independentemente da nacionalidade, os estrangeiros contam com um cenário propício para investir na Bolsa brasileira. Além de estar sendo negociada em múltiplos considerados baixos para as médias históricas, a desvalorização do real, com o dólar na casa dos R$ 5,70, transforma o desconto em verdadeiras pechinchas.
“Para o estrangeiro, está estupidamente barato investir na Bolsa”, afirma Alexandre Brito, gestor da Finacap. “A Bolsa brasileira tem praticamente o pior desempenho em dólares comparando com seus pares emergentes, como México, Argentina e Colômbia”, complementa.
João Luiz Braga, sócio da Encore Asset Management, acrescenta que os descontos não se limitam a um segmento e estão em todos os setores da Bolsa. Além disso, segundo ele, há uma “gordura” no câmbio que faz com que o estrangeiro se sinta mais seguro para investir na Bolsa. “O ‘gringo’ não gosta de acertar um ativo porque alguém falou que está barato e errar na moeda”, afirma.
Ruído político e Fed são problema? Não para os “gringos”
Braga cita outros dois fatores que explicam a escolha do estrangeiro em comprar Bolsa no Brasil. Ao contrário do que afirmam muitos analistas, Braga não acredita que ruídos políticos não são capazes de assustar o investidor de fora. “Ele já olha para o Brasil assumindo que têm barulho político. E isso vale não só para o Brasil, mas para qualquer mercado emergente”, explica.
Um outro ponto favorável à entrada do estrangeiro, segundo ele, tem a ver com os Estados Unidos, ainda que a princípio não pareça tão positivo.
Recentemente o Banco Central Americano definiu que vai reduzir estímulos à economia do país e que pretende encerrar o programa de compra de títulos públicos, adotado durante a pandemia, até março de 2022. Também afirmou que vai subir os juros por três vezes no ano que vem, o que poderia reduzir a atratividade para os emergentes, incluindo o Brasil.
Contudo, aponta Braga, a condução de uma recuperação econômica gradual também é positiva para a Bolsa brasileira.
“Se os EUA virassem muito rápido, de uma só vez, seria ruim pra gente”, afirma.
Já Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas, acredita que o início de um ciclo de aperto monetário nos Estados Unidos vai fazer com que investir em mercados emergentes seja mais desafiador. “Países como a Colômbia, que tem necessidade de fluxo de investidor estrangeira para cobrir um déficit de conta corrente, estão subindo os juros para atrair dinheiro de fora”, afirma.
Mas, segundo ele, os juros de dois dígitos que o Brasil deve alcançar na próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) diminuem impactos sobre o fluxo. “O prêmio do ativo brasileiro contra o ativo americano vai estar bastante alto, porém gera volatilidade para moeda”, lembra Gustavo, ressaltando que, apesar da vantagem do prêmio de risco, o Brasil não está imune às mudanças nos fluxos de capital com os juros mais altos nos Estados Unidos.
Fonte: InfoMoney.
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