Parecer de orientação CVM – CriptoAtivos e o mercadode Valores Mobiliários

  1. Objeto deste Parecer de Orientação

Criptoativos são ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs). Usualmente, os criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.

Em cenário global, as discussões sobre a regulação dos criptoativos estão ocorrendo em diversos países, com o reconhecimento de que este é um desafio transfronteiriço, que demanda orientações.

Este Parecer de Orientação consolida 4 o entendimento da CVM sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários. Desse modo, este trabalho esclarece os limites de atuação da Autarquia e a forma como a CVM pode e deve exercer seus poderes para normatizar, fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais.

Embora ainda não haja legislação específica sobre o tema, este Parecer tem o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança, bem como de fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento dos criptoativos, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes. Desta forma, a CVM está contribuindo para (i) a proteção do investidor e da poupança popular; (ii) a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro, (iii) prevenção e combate à corrupção; (iv) controle à evasão fiscal; e (v) prevenção e combate ao financiamento do terrorismo e/ou proliferação de armas de destruição em massa.

Os entendimentos constantes deste Parecer de Orientação estão sujeitos a modificações posteriores, na medida em que venha a ser sancionada legislação específica sobre a matéria ou, até mesmo, como consequência prática do permanente desenvolvimento da tecnologia, das características e das funções inerentes aos criptoativos.

2. Novas Tecnologias e Regulação

Esta Autarquia é receptiva às novas tecnologias que contribuem e influenciam positivamente a evolução do mercado de valores mobiliários. A adoção de tecnologias deve ser feita como uma forma de ampliação de horizontes e, não, uma limitação da extensão com que direitos podem ser exercidos.

Apesar de essas tecnologias não estarem, em si, sujeitas a regulamentação no âmbito do mercado de valores mobiliários, é importante destacar que, a depender da sua natureza e características, os serviços ou ativos desenvolvidos por meio delas podem estar sujeitos a regimes regulatórios específicos, nos termos da legislação aplicável. Nesse sentido, o fato de um serviço ou ativo ser desenvolvido ou ofertado digitalmente, por meio criptográfico ou baseado em tecnologia de registro distribuído, é irrelevante para o enquadramento de um ativo como valor mobiliário ou para a submissão de determinada atividade à regulamentação da CVM.

Nesse contexto, embora a tokenização em si não esteja sujeita a prévia aprovação ou registro na CVM, caso venham a ser emitidos valores mobiliários com fins de distribuição pública, tanto os emissores quanto a oferta pública de tais tokens estarão sujeitos à regulamentação aplicável.

Da mesma forma, ainda que se utilizem de novas tecnologias, a administração de mercado organizado para negociação dos tokens, bem como os serviços de intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação e liquidação de operações que envolvam valores mobiliários estarão sujeitos às regras aplicáveis a essas atividades.

3. Critério Funcional para Taxonomia de Tokens

Os criptoativos costumam ser designados como tokens e podem desempenhar diversas funções, razão pela qual acadêmicos e reguladores têm buscado formular uma taxonomia, ainda sem um entendimento uniforme sobre a classificação.

Sem prejuízo do acompanhamento dos debates conceituais sobre o tema, a CVM adotará abordagem funcional para enquadramento dos tokens em taxonomia que servirá para indicar o seu tratamento jurídico. Inicialmente, a taxonomia seguirá as seguintes categorias:

  • Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;
  • Token de Utilidade (utility token): utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e
  • Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os “security tokens”, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de “tokenização”.

As categorias citadas acima não são exclusivas ou estanques, de modo que um único criptoativo pode se enquadrar em uma ou mais categorias, a depender das funções que desempenha e dos direitos a ele associados.

A CVM entende que o token referenciado a ativo pode ou não ser um valor mobiliário e que sua caracterização como tal dependerá da essência econômica dos direitos conferidos a seus titulares, bem como poderá depender da função que assuma ao longo do desempenho do projeto a ele relacionado.

Nesse sentido, vale mencionar que a prática de mercado vem demonstrando que um token pode representar não só ativos, como também direitos de remuneração por empreendimento, direito a receber relacionado a estruturas assemelhadas às de securitização, ou, ainda, direito de voto. A esse respeito, notamos que alguns desses modelos aproximam os tokens emitidos do conceito de valor mobiliário e, tendo isso em vista, reforçamos que referida taxonomia não se propõe a consolidar uma definição taxativa de cada classificação, tampouco a limitar o alcance desta Autarquia, cuja atuação dependerá da análise dos casos em concreto.

No mais, reforçamos que essa divisão é inicial. Sendo assim, poderá ser ampliada ou subdividida sempre que necessário para não restringir a evolução da regulação, em especial tendo em vista o permanente desenvolvimento da tecnologia e criação de novas estruturas ou operações para emissão de tokens.

4. Caracterização de Criptoativos como Valores Mobiliários

O conceito de valor mobiliário tem natureza instrumental e objetiva delimitar o regime mobiliário e, consequentemente, a competência da CVM. Dessa forma, nas hipóteses em que determinado criptoativo é valor mobiliário, os emissores e demais agentes envolvidos estão obrigados a cumprir as regras estabelecidas para o mercado de valores mobiliários e poderão estar sujeitos à regulação da CVM.

Ainda que os criptoativos não estejam expressamente incluídos entre os valores mobiliários citados nos incisos do art. 2º da Lei nº 6.385/76, os agentes de mercado devem analisar as características de cada criptoativo com o objetivo de determinar se é valor mobiliário, o que ocorre quando:

  • é a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei nº 6.385/76 e/ou previstos na Lei nº 14.430/2022 (i.e., certificados de recebíveis em geral); ou
  • (ii) enquadra-se no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, na medida em que seja contrato de investimento coletivo

No que diz respeito aos criptoativos que se enquadram nos requisitos previstos no inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, esta Autarquia já se manifestou em algumas ocasiões15 para esclarecer que a caracterização de determinado ativo como um contrato de investimento coletivo não dependeria de manifestação prévia da CVM.

Ressalte-se que, ainda que invistam ou que assumam exposição em criptoativos que não sejam valores mobiliários, os contratos de investimento coletivo são valores mobiliários.

No mais, derivativos são, necessariamente, caracterizados como valores mobiliários, independentemente de seu ativo subjacente ser ou não um criptoativo, conforme art. 2º, inciso VIII, da Lei nº 6.385/76.

4.1 Contrato de Investimento Coletivo

O conceito aberto de valor mobiliário previsto no inciso IX do artigo 2º da Lei 6.385/76 tem inspiração em precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos, do qual se extrai as premissas do “Teste de Howey”, que vem sendo utilizado pela CVM para avaliar se determinado ativo é valor mobiliário.

Ciente, portanto, de que a definição legal brasileira de contrato de investimento coletivo tem inspiração no direito americano, a CVM acompanha com atenção a interpretação naquela jurisdição dos casos em que criptoativos são enquadrados como valor mobiliário. Não obstante, ressalva-se que o entendimento pátrio pode ser distinto do estrangeiro em casos concretos, uma vez que a origem e a inspiração não determinam identidade conceitual, tampouco interpretativa.

Nesse sentido, o Colegiado da CVM tem reiteradamente considerado17 as seguintes características de um contrato de investimento coletivo para decidir se determinado título é ou não é valor mobiliário:

  • Investimento: aporte em dinheiro ou bem suscetível de avaliação econômica;
  • Formalização: título ou contrato que resulta da relação entre investidor e ofertante, independentemente de sua natureza jurídica ou forma específica;
  • Caráter coletivo do investimento;
  • Expectativa de benefício econômico: seja por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, decorrente do sucesso da atividade referida no item (v) a seguir;
  • Esforço de empreendedor ou de terceiros: benefício econômico resulta da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e
  • Oferta pública: esforço de captação de recursos junto à poupança popular.

Os 3 (três) últimos requisitos merecem detalhamento quando analisamos criptoativos.

  • Expectativa de Benefício Econômico

O benefício econômico esperado resulta diretamente do resultado do empreendimento (e.g., participação nos resultados do empreendimento), sendo certo que o resultado advém em última análise dos esforços do empreendedor ou de terceiros, e não de fatores externos, que fogem ao domínio do empreendedor.

Sendo assim, criptoativos que estabeleçam o direito de seus titulares participarem nos resultados do empreendimento, inclusive por meio de participação ou resgate do capital, acordos de remuneração e recebimento de dividendos, terão, em princípio, preenchido esse requisito.

4.1.2. Esforço de Empreendedor ou de Terceiro O item (v) do conceito de contrato de investimento coletivo exige que a remuneração seja preponderantemente decorrente de esforços de empreendedor ou de terceiros. Deve-se avaliar, portanto, a natureza e extensão da atuação desse agente para o sucesso do empreendimento. Esse requisito estará preenchido, por exemplo, nas situações em que a criação, aprimoramento, operação ou promoção do empreendimento dependam da atuação do promotor ou de terceiros.

4.1.3. Oferta Pública A oferta pública de distribuição de valores mobiliários está disciplinada, no Brasil, pela Lei nº 6.404/76 e pela Lei nº 6.385/76 e, como regra geral, regulamentada pela Resolução CVM nº 160/22, que têm por fim assegurar a proteção do público investidor em geral e promover a eficiência e o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários.

Tendo em vista que a oferta de tokens é realizada principalmente por meio da internet e sem restrição geográfica, é preciso analisar o tema à luz dos Pareceres de Orientação nº 32/05 e nº 33/05 que tratam, respectivamente: (i) sobre o uso da Internet em ofertas de valores mobiliários e na intermediação de operações; e (ii) sobre a intermediação de operações e oferta de valores mobiliários emitidos e admitidos à negociação em outras jurisdições.

De acordo com os referidos Pareceres de Orientação, a CVM analisará os casos concretos para avaliar se há oferta de valor mobiliário sujeita a sua competência e, para tanto, levará em conta a existência de medidas efetivas para impedir que o público em geral acesse a página contendo a oferta. O contexto atual justifica complemento às diretrizes de referidos Pareceres de Orientação, considerando a popularização do uso das redes sociais para oferta de valores mobiliários e a regulamentação das plataformas eletrônicas de investimento participativo (crowdfunding), regidas pela Resolução CVM nº 88/22.

A CVM nota que é possível exibir página contendo ofertas de valores mobiliários apenas a usuários identificados por login e senha. Embora tal mecanismo de prevenção de acesso seja mencionado no Parecer de Orientação CVM nº 32/05, essas ofertas não são necessariamente privadas.

Nesse sentido, a existência de mecanismos de prevenção de acesso a páginas contendo ofertas de valores mobiliários e a inexistência de divulgação específica sobre uma oferta, como o número de investidores alcançados e o número de subscritores, entre outros, sendo certo que há inúmeras ferramentas disponíveis para barrar o acesso da página (a exemplo de mecanismos de “geoblocking”).

Além disso, as ofertas de intermediação de derivativos a investidores brasileiros também merecem nota, em complemento aos citados Pareceres de Orientação.

A esse respeito, nota-se que a oferta de valores mobiliários emitidos no exterior pode ser considerada irregular se não tiver registro na CVM. De acordo com o Parecer de Orientação CVM nº 33/05, a utilização de meios de comunicação “destinados a atingir o público em geral residente no Brasil” é um critério relevante para verificação de oferta pública irregular. Além disso, também é relevante a existência de texto para atrair investidores residentes no Brasil, ainda que em idioma estrangeiro. Por fim, deve-se avaliar se há emprego de medidas efetivas com o intuito de impedir que investidores residentes no Brasil tenham acesso ao conteúdo da página.

O Parecer de Orientação CVM nº 33/05 aponta que a CVM “também poderá considerar, para avaliar se a oferta foi dirigida a investidores residentes no Brasil, a utilização da língua portuguesa e a localização física do provedor”.

O presente Parecer de Orientação reitera essas recomendações e sinaliza que a utilização de língua portuguesa na oferta e no suporte ao cliente pode vir a ser considerada suficiente para caracterizar oferta pública ou intermediação de operações com valores mobiliários emitidos no exterior, inclusive derivativos.

5 Regime Informacional e a Valorização da Transparência

A regulação do mercado de capitais adota o princípio da ampla e adequada divulgação (full and fair disclosure) como pedra fundamental do regime informacional, em linha com o modelo regulatório consagrado nos Estados Unidos, desde o Securities Act of 193321 .

Nessa mesma linha, esta Autarquia adota o entendimento de que ainda hoje: “sunlight is said to be the best of disinfectants; electric light the most efficient policeman”. Sendo assim, a concentração inicial da CVM é no sentido de prestigiar a transparência em relação aos criptoativos e assegurar a observância do regime de divulgação de informações.

Essa será a abordagem inicial da CVM com relação aos valores mobiliários, inclusive aqueles representados na forma de criptoativos, sem prejuízo da avaliação quanto à necessidade de complementar a sua atuação com outras medidas a serem conjugadas a esta abordagem.

Não cabe à CVM interferir no exame de mérito das oportunidades de investimento oferecidas ao público em geral, por exemplo, mediante a seleção prévia daquelas julgadas mais promissoras, seguras ou merecedoras de outros atributos elogiosos. Em vez disso, compete à CVM proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado, bem como assegurar o acesso do público a informações corretas, claras e completas sobre os valores mobiliários negociados, disponíveis a todos igualmente.

Assim, o sistema de divulgação de informações não é um fim em si mesmo, mas é um instrumento destinado a atingir a finalidade de que os investidores possam decidir de modo informado, por seu próprio juízo de mérito, sobre a aquisição, a manutenção ou a alienação dos valores mobiliários.

Para essa finalidade, a transparência deve ser um compromisso de emissores e, para além deles, na medida do possível, deve também ser buscada e valorizada por todos os integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários nas suas respectivas atividades.

Nesse sentido, a regulamentação da CVM é aplicável e deve ser observada quando da realização de ofertas públicas de criptoativos que sejam considerados valores mobiliários, destacando-se, primariamente, as normas que dispõem:

  • sobre o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários – Resolução CVM nº 80/22; e
  • sobre as ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários e a negociação dos valores mobiliários ofertados nos mercados regulamentados.

Além desses 2 (dois) regimes regulatórios, que se complementam, e que dão cumprimento aos comandos legais previstos nos arts. 19 e 21 da Lei nº 6.385/76, destacam-se as regulamentações específicas que tratam de regimes especiais em função das características dos emissores e da oferta pública, tais como:

  • a Resolução CVM nº 88/22, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo; e
  • a Resolução CVM nº 86/22, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de contratos de investimento coletivo hoteleiro.

Sem pretender listar exaustivamente todas as regulamentações que possam ser aplicáveis a um tipo específico de criptoativo que seja valor mobiliário, em função de suas características e das de seu emissor, é fundamental destacar que os regimes regulatórios vigentes já preveem a necessidade de prestações de informações aos investidores, sejam elas direcionadas ao momento de tomada de decisão de investimento, ou posteriormente a ele, de forma a permitir o acompanhamento acerca do andamento do negócio e para fins do cumprimento do princípio do full and fair disclosure, pressuposto para que um valor mobiliário possa estar admitido à negociação em mercado organizado.

Além disso, a admissão à negociação secundária de qualquer valor mobiliário, inclusive aqueles representados na forma dos criptoativos, deve ocorrer em mercados organizados que possuam autorização da CVM, nos termos da Resolução CVM nº 135/22.

Deve-se observar, ainda, a aplicabilidade das normas relacionadas à: (i) prestação de serviços de depósito centralizado de valores mobiliários; (ii) prestação de serviços de compensação e liquidação de valores mobiliários; e (iii) prestação de serviços de escrituração de valores mobiliários e de emissão de certificados de valores mobiliários.

Dessa forma, considerando o arcabouço vigente, a CVM orienta aqueles que buscam a realização de ofertas públicas ao amparo da regulamentação vigente a considerar a pertinência de incluir, no contexto da elaboração dos documentos previstos nas normas exigíveis, conforme o caso, um conjunto mínimo de informações específicas e que se relacionam aos valores mobiliários.

Essas informações influenciarão o juízo da CVM sobre os pedidos e poderão nortear a criação de um regime mais flexível no futuro, na certeza de que esta é uma abordagem inicial, sujeita às evoluções e ao desenvolvimento da tecnologia, das características e das funções inerentes aos criptoativos.

Nesse sentido, a lista a seguir é exemplificativa, sendo certo que não substitui a regulação vigente. Reforçamos, ainda, que parte das informações sugeridas abaixo servirá estritamente para informação do público alvo, não sendo papel da CVM impor parâmetros mínimos no que diz respeito ao funcionamento dos criptoativos que não são valores mobiliários.

5.1 Informações sobre os Direitos dos Titulares dos Tokens

Recomenda-se, dentre outras, a prestação das seguintes informações, em linguagem acessível ao público e ao mercado em geral:

  • Identificação do emissor dos tokens que será beneficiário dos recursos de oferta e de todos os participantes do procedimento de oferta e seus papéis, explicitando a existência de partes relacionadas;
  • Descrição das atividades do emissor dos tokens ou de terceiros cujo esforço é relevante para a expectativa de benefício econômico, em especial no que concerne a novas emissões, gestão de ativos que servem de lastro aos tokens, contratação de provedores de liquidez, gestão do ciclo de vida do software (ex. decisões acerca de forks), resposta a incidentes cibernéticos, resgate e amortização de pagamentos, envio de informações periódicas ou eventuais aos investidores, ações de marketing e quaisquer outras atividades que possam influenciar na expectativa de benefício econômico;
  • Descrição, se houver, dos direitos conferidos aos titulares dos tokens, especialmente pagamento de remuneração ou participação em resultados, direito de participar de deliberações, direito de remuneração condicionada à realização de determinadas atividades;
  • Todas as informações que embasem expectativas de benefício econômico como resultado da aquisição do token, bem como eventual expectativa por valorização em mercado secundário, na medida em que decorrente de esforços do empreendedor, em especial se houver compromisso do emissor com listagem dos tokens em ambientes de negociação;
  • Mecanismo de consenso e descrição adequada ao público em geral sobre o processo de emissão de tokens, especialmente controles de estabilidade de preços, se aplicável;
  • Materiais de apoio ao investidor sobre funções e riscos ligados à tecnologia, de modo a mitigar assimetrias de informação decorrente de hipossuficiência técnica, em especial na hipótese em que o ativo comporte complexidades (a título exemplificativo, em tokens recebidos como contrapartida de depósitos em soluções DeFi, quando o protocolo impuser critérios de liquidação compulsória, se houver riscos de inflation bug, impermanent loss e outros), se aplicável;
  • Identificação de canais de suporte ao investidor e termos de qualidade mínima do serviço (SLA – service level agreement), se aplicável;
  • Eventuais taxas e outros encargos suportados pelo investidor na subscrição de ofertas, negociação ou pela mera titularidade dos tokens, se aplicável.

5.2 Informações sobre Negociação, Infraestrutura e Propriedade dos Tokens

Recomenda-se, dentre outras, a prestação das seguintes informações, em linguagem acessível ao público e ao mercado em geral:

  • Identificação clara das vantagens da utilização da tecnologia de registro distribuído;
  • Descrição das desvantagens da utilização da tecnologia de registro distribuído, em especial sobre desempenho em comparação com mecanismos tradicionais e eventuais efeitos adversos ao meio ambiente;
  • Aplicabilidade dos serviços de depósito centralizado de valores mobiliários, compensação e liquidação de valores mobiliários, custódia de valores mobiliários, e escrituração de valores mobiliários e de emissão de certificados de valores mobiliários;
  • Descrição da gestão da propriedade dos tokens (em especial se o investidor poderá ter o controle da chave privada, se a custódia será delegada, se haverá um prestador de serviços contratado para oferta, a exemplo de intermediário na subscrição de uma oferta, de custodiante ou de depositário) e dos ativos que servem de lastro para os tokens (sejam ativos reais ou puramente digitais, como NFTs – Non-Fungible Tokens);
  • Regras de governança do protocolo, indicando os diferentes papéis de participantes da rede, caráter público ou privado da rede, critérios e responsáveis para definição e assunção desses papéis e identificação de participantes relevantes;
  • Descrição das regras para identificação dos titulares dos tokens e tratamento de seus dados pessoais;
  • Indicação das entidades administradora de mercado organizado autorizada pela CVM ou outras plataformas de negociação nas quais o token será ou poderá ser admitido à negociação;
  • Controles de origem dos recursos utilizados para aquisição de tokens e compromisso com a comunicação de operações suspeitas de lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e/ou financiamento da proliferação de armas de destruição em massa; e
  • Planejamento de novas funcionalidades e alteração das regras de governança e mecanismo de consenso, se aplicável.

6. Papel dos Intermediários

Os intermediários em mercado secundário que atuem, direta ou indiretamente, na oferta de criptoativos devem observar a regulação da CVM, no que concerne à negociação de valores mobiliários. A realização de ofertas ou intermediação de criptoativos deve levar em consideração as eventuais repercussões dessa atividade e o seu enquadramento nas normas vigentes aplicáveis, de forma geral, a sua atuação no mercado de valores mobiliários.

De igual forma, o intermediário não pode se isentar de garantir, na oferta de tais criptoativos, um adequado nível de transparência e informação a respeito das características e riscos associados a tais ativos, em particular quando oferecidos de forma direta, ou seja, não por meio de um produto regulado (fundos de investimento ou exchange traded fund – ETF, por exemplo), que já conte com suas próprias regras de transparência mínima.

Por fim, a instituição intermediária deve promover due diligence adequada sobre os controles internos de parceiros comerciais, inclusive no que diz respeito aos prestadores de serviço da indústria de criptoativos que não transacionem com valores mobiliários, com o objetivo de mitigar a eventual materialização de riscos que possam impactar o intermediário.

Cabe ao intermediário também avaliar se o investidor deve ser informado sobre a natureza e extensão da parceria comercial. Da mesma forma, devem ser avaliadas as segregações e proteções de natureza operacional, estrutural e regulatória que o intermediário possui para evitar que eventuais problemas provenientes de ambientes de negociação de criptoativos que não são valores mobiliários impactem seus próprios negócios.

No mais, ao estabelecer parceria com prestador de serviços que oferte criptoativos que não são valores mobiliários ou serviços ligados à cripto economia, o intermediário deve informar sobre os riscos envolvidos nesse tipo de aplicação, em linguagem acessível e adequada ao público a que se destina, de modo que o destinatário possa avaliar se o produto é compatível com seu perfil de riscos.

7. Fundos de Investimento

À medida que novos ativos são incorporados ao universo regulado, a CVM espera que, de maneira razoável e proporcional, sejam adotados novos critérios e diligências objetivando maiores níveis de transparência, de modo a preservar a eficiência e integridade dos mercados.

Nesse sentido, o administrador e o gestor do fundo devem avaliar o adequado nível de divulgação de potenciais riscos ligados aos ativos, nos materiais de divulgação obrigatória do fundo, em especial no que diz respeito a ativos baseados em tecnologias inovadoras.

A título exemplificativo, essa diretriz deve ser aplicável aos fundos de investimento que exploram as possibilidades da digitalização de conteúdo criativo (os já citados NFTs).

Em conformidade com o exposto acima, os fundos de índice em particular devem aderir e preservar os princípios previstos no artigo 2º da Instrução CVM nº 359/02 ao ofertar índices de criptoativos, como sua replicabilidade, fidedignidade e representatividade.

A CVM já se manifestou sobre a possibilidade e os termos para investimento direto em criptoativos por fundos de investimento constituídos no Brasil. Este Parecer de Orientação não inova o entendimento da CVM a respeito dessa matéria, que requer estudo mais aprofundado e interações específicas com o mercado para a adequada evolução do tratamento do tema pela Autarquia.

8. Sandbox Regulatório

A CVM editou em 2020 a Instrução CVM nº 626/20, posteriormente substituída pela Resolução CVM nº 29/21, de forma a regulamentar e implementar um regime de Sandbox Regulatório.

Em seu primeiro processo de admissão, a CVM recebeu 33 propostas de projetos que buscavam desenvolver modelos de negócios inovadores. A maior parte das propostas envolvia a emissão, distribuição pública, registro distribuído e negociação secundária de valores mobiliários representados digitalmente, o que, em conjunto, denominou-se “tokenização”. Após a conclusão deste processo de admissão, quatro projetos foram aprovados, sendo que três deles envolvem diretamente a atividade de tokenização de valores mobiliários.

Nesse sentido, o funcionamento de criptoativos representativos de valores mobiliários já vem sendo testado pela CVM. Os projetos autorizados obtiveram autorizações temporárias para atuar, por meio de dispensas regulatórias, como entidades administradoras de mercados organizados de valores mobiliários e prestadores de serviço de escrituração de valores mobiliários, bem como foram autorizados a conduzir ofertas públicas, com dispensas de requisitos regulatórios específicos.

O Sandbox Regulatório é uma iniciativa de acolhimento de novas tecnologias e modelos de negócios inovadores. Além disso, é uma ferramenta para que a Autarquia avalie a necessidade de revisão e atualização de seu arcabouço regulatório à luz da experiência prática dos projetos aprovados.

9. Considerações Finais

A CVM continuará a se aprofundar no estudo e análise das novas tecnologias e de sua aplicação ao mercado de capitais, podendo, se vier a entender necessário, regular esse novo mercado, no limite de sua competência, inclusive à luz de sua experiência no âmbito do Sandbox Regulatório.

Em paralelo, a Autarquia está atenta ao mercado marginal de criptoativos que sejam valores mobiliários e adotará todas as medidas legais cabíveis para a prevenção e punição de eventuais violações às leis e regulamentos do mercado de valores mobiliários brasileiro, incluindo a emissão de alertas de suspensão (“Stop Orders”), instauração de processos administrativos sancionadores, bem como a comunicação, ao Ministério Público Federal ou Estadual e à Polícia Federal, acerca da existência de eventuais crimes de ação penal pública, nos termos da legislação aplicável.

A Autarquia permanece disponível para consultas de participantes de mercado.

Por fim, reitera-se que as orientações contidas neste parecer se destinam a consolidar entendimentos, mas não esgotam os debates em relação ao tema, uma vez que este está em permanente inovação e seu regime legal encontra-se atualmente em discussão.