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Chovem análises, manchetes e comentários sobre a recente valorização do dólar em relação ao real. O discurso da oposição é o de que recursos estrangeiros fogem do país em decorrência da falta de confiança no governo brasileiro. Será?
O câmbio é afetado por diversas variáveis especialmente a política fiscal, a relação de troca com os parceiros comerciais e o diferencial de juros domésticos em relação aos praticados no exterior. Todas elas têm contribuído para apreciar o dólar frente ao real.
Estamos acostumados a considerar que o avanço do dólar é sinônimo de crise econômica. Esse é o nosso modelo mental. Historicamente, o Brasil contava com poucas reservas. Assim, em momentos nos quais o preço dos nossos produtos de exportação sofria, tínhamos déficits na balança comercial o que empurrava para cima o preço do dólar a fim de ajustá-la. Isso ocorreu por diversas vezes na história seja por causa do preço da saca de café no passado ou do preço do minério de ferro ou da soja mais recentemente. Ficou famosa a frase: Nova Iorque espirra e o Brasil pega pneumonia.
As nossas eternas crises fiscais eram outra causa para a subida do preço do dólar. A elevação do endividamento levava ao aumento do risco país o que empurrava o câmbio para cima.
A razão para a escalada do dólar agora é outra. E tem algumas razões benéficas. Prova disso é que o risco país não tem subido ao contrário de outras épocas.
Efeitos sobre o câmbio derivado de uma política fiscal consistente
A perspectiva de um orçamento público mais equilibrado com a aprovação da Reforma da Previdência e o teto dos gastos tem como efeito a redução da taxa de juros interna. Com isso, reduz a diferença entre os juros domésticos e o externo, tornando desinteressante a estratégia do “carry trade”. O que é isso? Investidores pegavam emprestado recursos no exterior para aplicar nas altas taxas proporcionadas pelos títulos públicos brasileiros, ganhando a diferença. Essa enxurrada de dólares que entrava no país valorizava nossa moeda. Com os juros baixos, os recursos especulativos rarearam, impulsionando o dólar.
Outro ponto menos comentado de uma política fiscal mais agressiva é o de que o consumo maior do governo reduz a poupança privada (S1). Com isso, a demanda por produtos importados diminui o que pressiona menos o câmbio. É necessário menos dólares na economia para adquirir esses produtos. Com isso, o real fica mais apreciado (câmbio em Q1) em relação ao ponto inicial Q. A situação agora se inverteu. A perspectiva da redução dos gastos públicos deve levar a expansão da demanda por produtos importados (aumento da poupança para S2). Como se precisam de mais dólares para essas compras, a moeda americana fica pressionada (câmbio vai para Q2). CC representa a reta de transações correntes.
Sabia-se que o “carry trade” e a política fiscal frouxa valorizavam o real, mas os economistas não tinham noção da magnitude. Em recente entrevista ao Valor, Mário Mesquita, economista do Itaú, comentou a dificuldade de prever o câmbio nesse novo cenário mais benigno: “Nosso modelo, baseado em fundamentos, aponta um nível mais próximo de R$ 4 do que de R$ 4,40, mas ele não tem funcionado tão bem para prever o câmbio. Os modelos funcionam muito melhor em economias que não tem transformação estrutural, que é o que temos agora”.
Efeitos sobre o câmbio derivado da queda do preço dos commodities
Além disso, a moeda brasileira possui relação negativa com o preço das commodities. Como assim? Quanto mais alto o preço das commodities, menor o dólar em relação ao real e vice versa. Isso ocorre porque nossa pauta exportadora é muito focada em commodities. Como Marcelo D’Agosto mostrou em sua coluna, a situação recente tem sido de queda do preço das commodities o que explica o avanço do dólar para “compensar” essa perda no preço dos produtos.
Efeitos sobre o câmbio derivado da desaceleração econômica mundial
Por fim, o dólar acaba se beneficiando quando surgem receios em relação à desaceleração econômica mundial, pois os investidores migram para ativos seguros. E não faltaram riscos esse ano: guerra comercial entre EUA e China e o coronavírus. Essa é a principal causa da elevação recente do dólar para níveis acima de R$ 4,50.
Esse dólar mais apreciado em decorrência, em grande parte, de aspectos positivos – fim do “carry trade” e uma política fiscal mais equilibrada – pode ajudar nossa indústria, pois facilita as exportações e torna o produto do competidor estrangeiro menos atrativo. Isso em termos microeconômicos. Em termos macroeconômicos, as reservas podem ser vendidas a um preço maior, gerando recursos para reduzir o endividamento o que tende a reduzir ainda mais o nível de juros. Até os “desenvolvimentistas” acreditam que o nível de reservas é elevado, pois o programa de Fernando Haddad, candidato do PT, propunha usá-las. Se agora criticar essa operação, mudou de opinião.
O risco é o de a depreciação cambial elevar a inflação. Mas isso não é uma preocupação imediata devido à capacidade ociosa.
Os políticos de esquerda suportados por economistas heterodoxos sempre defenderam um câmbio depreciado. Como podem criticar agora o câmbio que chegou no patamar que eles sempre desejaram, mas nunca conseguiram obtê-lo devido a fragilidade fiscal que temiam em atacar? E o melhor: chegou pelas razões corretas, sem intervencionismos governamentais ou invencionices. O real agora pode estar momentaneamente em um pico de desvalorização devido ao coronavírus. Mas a realidade é termos um dólar mais alto. A gente estranha porque a farra fiscal durou décadas. E nosso atalho mental associa dólar alto à crise. É preciso ajustar como pensamos.
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